Chef Lidu foi encontrado morto no restaurante e seus livros de receitas, com segredos, desapareceram. Desapareceu também, além dos livros, seu caderno particular, com receitas escritas de próprio punho. Levaram os cadernos e 5 kg de filet mignon embrulhados em porções individuais, congelados.
Um segredo em uma receita pode ser insólito e pode ser um motivo de um crime bárbaro, como a certa altura se pensa na investigação do homicídio de Chef Lidu. O assassino poderia estar endividado e querer ter lucro com seu caderno quase sagrado. Essa é uma hipótese da investigação.
O que faz um chantilly ficar no ponto certo, por que determinado creme não talha, como é possível fazer a carne ficar tostada por fora e macia por dentro, será que colocar um pouco de açúcar no tomate é bom ou ruim? Para quem cozinha, esses resultados não têm nada de secretos, mas para mim, amadora, são raros. Uma coisa que nunca entendi é como se pode assar um peixe com farofa dentro e dar tudo certo, ele não se desfazer e ainda assim não ter espinhas. Ou como se deixa um pudim de leite condensado com furinhos ou sem furinhos.
Há quem possa considerar esse assunto, o das receitas na culinária, superficial. Mas não é. Na ditadura a censura aos artigos, nos jornais, era clara quando publicadas, no lugar em que deveriam estar, receitas de bolo ou ou de bombons.
Nada é muito evidente nas receitas de culinária. As descrições de preparo nunca são muito claras. Por outro lado, há muitas palavras sedutoras, ou surpreendentes, tipo as que encontrei em uma revista antiga: , “leve ao forno por poucos minutos” (quantos?), “mistura mostarda-vinho”, “prato delicado”, “tenras”, “com xxx você cria tudo mais leve”, “irresistível chocolate”, “faça quatro pequenas covas”.
Outro aspecto interessante das receitas é o uso de línguas diversas: “patê en croûte”, “frango en croûte”, “sópi di banana”. Também encontrei “sópi di pampuna”.
Depois há umas frases meio desatualizadas na revista antiga: “Toda dona de casa sonha em apresentar à mesa pratos saborosos e bonitos” é uma delas.
Eu sonho com isso: apresentar à mesa pratos bonitos e saborosos é uma fantasia. Eu gostaria muito de cozinhar bem e de não me incomodar com a louça, de lavar tudo sem sofrimento. Já segui modos de preparo à risca e fiz alguns pequenos banquetes. Uma vez, nunca vou esquecer, fiz uma carne de vitela recheada com ricota que ficou muito boa e foi muito difícil de fazer. Fiz quindim de verdade, tomando cuidado de preservar as camadas.
Depois parei de cozinhar. Tenho uma vontade hipotética e o que me consola é que posso cozinhar quando quiser, é só seguir essas receitas maravilhosas que guardo para uma oportunidade melhor. Quando eu parar de escrever. Cozinhar e escrever não são atividades incompatíveis. Muita gente faz os dois. Mas, para mim, são completamente diferentes. A não ser que eu escreva um livro de receitas e, para isso, precise inventar e testar receitas para, então, descrevê-las em termos muito exatos. Um livro de comida vegana, talvez.
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P.S.- Nove tiros em Chef Lidu (Editora Circuito) está, entre algumas outras, na Livraria Martins Fontes. Está também em e-book (e-galáxia) em todas as plataformas digitais.
